Saturday, December 31, 2005

Transição

Foi um ano cheio, de mudanças. Algo se transformou no meu olhar, tornou-se mais velho, mais calejado (apesar de nunca me espantar com os inesperados recados que a vida dá). Acabei o curso, desconstrui a fotografia, trabalhei, perdi países como o Pessoa, amei, odiei, vi a vida, vi a morte. Voltei a acreditar. Em mim sobretudo. Nunca estarei sozinha afinal. Tenho os sonhos fermentados que teci ao longo dos meses, com agulhas de esperança me vão encher as arcas que definem o que é viver.

A todos um bom ano.

Clepsidra já nua.

Friday, December 23, 2005

...O inevitável...

Boa...Tou com Depressão Pré- Natalícia.

(Filha, não entres aí na livraria que os livros mordem...)

Monday, December 19, 2005

As minhas asas do Desejo

Foto por João Espinho

As minhas asas podem ser feitas de cimento ou betão armado. Podem ter vigas fortes e estruturas de ferro a espreitarnos rasgos do estuque e do cimento. Mas são leves e transportam-me para junto de praças amplas e igrejas destruídas.Debaixo das Tílias, onde na Primavera se pode cheirar a brisa da sua púrpura e ouvir murmurar o Spree. Pousarei junto às pedras dos museus, que são quentes pelos anos de sol e história. Ou então nas grandes janelas dos prédios que dão para as ruas claras e outonais da minha recordação alemã.

Sunday, December 11, 2005

Untitled #1

"Dieu est un comédien jouant devant un public trop effrayé pour rire."

Friday, December 09, 2005

Polaroid revisited

Thursday, December 08, 2005

O Arroz doce da tia Doroteia

Era um arroz que já tinha seguidores de todos os cantos da pequena aldeia. O facto da tia Doroteia não revelar a receita a ninguém perpetuara a misteriosa ciência e arte com que aquele arroz era feito. De aparência era mais escuro que o arroz doce normal, pontilhado com canela em pó, que desenhava as iniciais dos comedores e pequenas improvisações de flores e raminhos. A sua textura era a de um doce leitoso, espesso e denso que deixava resíduos nebulosos nos cantos das bocas dos netos cujos sorrisos eram desdentados e os olhares traquinas. Aquele arroz era a extrema-unção dos doentes mais acamados; era provar ou cheirar aquele doce sabor celestial que já a vida não parecia fugir por entre os “ais” lamentosos e os queixumes sofridos. Tal como freira carmelita, Doroteia levava uma pequena malga com o arroz fumegante, alertando (sem qualquer resultado) que não se comesse enquanto tivesse quente, pois faria mal ao estômago e possivelmente cólicas intestinais portentosas. A parte do arroz, só mesmo as histórias da Tia eram bênçãos para os sofredores. Enquanto se comia o divino arroz, fumegante ainda, Doroteia tecia histórias de santos, sempre com moral óbvia e obstinada. Gostava de contar os pormenores dos seus sacrifícios e tristezas, exaltando as sua bondade e o destino certo e infalível que todos tinham: o céu dos arrozes doces. Os doentes olhavam esperançados que os seus sofrimentos tivessem como destino um céu fofo e pastoso, circundado com pós de canela. Ou seja, esperavam o consolo eterno. O que nunca era falado naquelas histórias, nunca mencionado ou circundado, era o pecado mortal da gula…

Clepsidra 2005

Tuesday, December 06, 2005

Apartes

Pimentos padrón rulam :P

Monday, December 05, 2005

Exercício de olhar #1

As noites naquele sótão eram passadas como numa redoma coalhada de orvalho e chuva miudinha, que não molha. O sótão era grande, constituído pela sala dos computadores, aberta e acessível, com duas secretárias voltadas uma para a outra, cheias de pequenos utensílios de escritório sem uso, com pó e melancolia de funcionário reformado a contra gosto. Um computador de mesa ocupava uma das mesas de trabalho, um enorme colosso em antiguidade e lentidão, coberto de capas de plástico transparente, que se dizia proteger da muita humidade existente naquele espaço. Na outra mesa, centrava-se o portátil e uma moldura dos filhos muito novos, duas crianças sorridentes, os dentes com pedra por limpar. Inúmeros outros objectos compunham aquela natureza morta de escritório, não já escritório: vários copos com canetas, réguas, furadores, agrafadores de cores claras (a condizer com o resto do material), papéis, livro de recibos abandonados, cd’s mal gravados, cinzeiros ainda sujos…uma velha agenda de telefones abandonada, com as letras do alfabeto oxidadas pelo tempo e pelo esquecimento. Contactos que vão, contactos que nunca se tiveram. O restante espaço do sótão era composto por um estúdio luminoso, habitado por muitos seres de vários tamanhos, raças e credos. Seres com muitas histórias para contar, alinhados nas prateleiras, ansiosos que a próxima visita os espera-se um suave folhear de mãos macias, um cuidadoso manuseamento de dedos-pétala. Havia nesse estúdio de mil vidas condensadas, uma janela que dava para o cruzamento da avenida, ornamentado por vários carvalhos alinhados, com folhas douradas pelo sol abundante que varria a rua. Um quiosque verde e uns bancos compunham o resto da dormente paisagem. Um estirador, grande, de madeira clara era o móvel que concluía aquele espaço acolhedor. Estava encostado à janela central, com vista para os carvalhos e os bancos de jardim. Debruçar-se sobre as telhas torradas pelos raios de sol era a inspiração dos moradores do sótão. A oeste estavam as árvores grandes, de grandes copas, com flores de cheiros discretos. A este existia um bairro de casas multiplicadas e cinzentas, daquele cinzento da cor dos ferros das camas dos quartéis, um cinzento frio e transitório, incapaz de conter nele mais que a simples função de dormitório.Era um sótão feliz, apanhava muito sol nos longos verões daquela terra e muita chuva, como se as telhas tivessem tornado forma por uma fibra de água apenas e não de argila.

Sunday, December 04, 2005

My Hole

A minha contribuição para esburacar a (minha ) arte.

Einfühlung

"Komm, träum mit mir
Den Traum von stillen Gassen" - (Vem e revive comigo o sonho das ruelas calmas)
Alfred Becker