O que fazer com o teu aviãozinho de papel?Livros arrumados, roupa dobrada, pronta a enfiar na mala. Máquinas de fotografar dentro dos seus respectivos sacos, mais livros, cartas dos eternos (des) apaixonados, fotografias esquecidas, uma moldura tosca de madeira, o meu livro de horas. E de súbito, no meio e todos estes objectos de ocasião e reencontro, o aviãozinho de papel que me deste no nosso segundo encontro. Não seria preciso a presença daquele objecto pequeno e frágil para me fazer pensar, mais uma vez, que destino teria ele, que destino teríamos nós enquanto pessoas que se encontraram num acaso bem medido. Perturbou -me a fragilidade daquele símbolo, ainda tão presente em mim, como no primeiro dia em que o fizeste e eu disse: “Vou guardá-lo perto de mim sempre”. Como coisas tão pequenas, momentaneamente esquecidas, nos podem perturbar. Como a certeza dos nossos milhares de reencontros que nunca terão lugar num espaço concreto. Mas sim, terão lugar na vastidão de uma memória. Ou na desorganização de um sonho em que me apareces para me sacudir os braços e a vida. Lançá-lo ao vento, rasgá-lo, queimá-lo, guardá-lo. É só um avião de papel, dirás tu. É só um pedaço do que restou direi eu. E por isso o meu dilema supremo, a profunda incerteza que é esse corte umbilical que me prende a ti. A ironia do papel com as arestas prontas a cortar-me os dedos. A ironia de acreditar, ainda que muitas evidências do fim e do silêncio se aglomerem, a gritar. Não acredito em amor à primeira vista, ou almas gémeas, ou amor para sempre. Acredito no nosso amor, ainda. Que é a coisa potencialmente mais inverosímil que existe. A vida é mesmo irónica, afinal.
Clepsidra 2005